Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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8 de fevereiro de 2018

Jogando: Fallout New Vegas (Conclusão)

Fallout New Vegas 39

Olhando meu álbum de fotografias para essa postagem final, fui assaltado pela nostalgia. Isso é algo que a franquia sempre foi hábil em fazer: construir uma jornada épica com passagens memoráveis. Ainda ontem estava escrevendo sobre New Vegas e Freeside e minhas decisões. Exceto que esse ontem foi em um passado longínquo, aquele que começou a viagem não é o mesmo que a concluiu, o jogo que era um terminou como outro.

Para começar a falar sobre New Vegas é preciso entender seu processo de criação: por algum motivo obscuro, a toda-poderosa Bethesda comprou para si a franquia Fallout. De seus próprios escritórios, nasceu Fallout 3, transpondo com êxito (mas não sem críticas) a atmosfera retrô depressiva traçada pelos talentos da finada Interplay nos anos 90 para um ambiente 3D e um mundo totalmente aberto nos moldes da série The Elder Scrolls, da sua nova dona.

De forma inédita, a mesma Bethesda contratou uma outra desenvolvedora para criar um derivado daquele universo. Entravam em cena os mestres da Obsidian, não apenas profundos conhecedores de RPGs eletrônicos, como também veteranos da franquia Fallout e especializados nesse tipo de trabalho: pegar uma propriedade intelectual que não lhes pertence e realizar um trabalho sob encomenda. Foi assim com Knights of the Old Republic II e Neverwinter Nights 2 e assim também seria posteriormente com Dungeon Siege III e South Park: The Stick of Truth.

No mesmo 2010 em que finalmente entregaram Alpha Protocol, os desenvolvedores também colocaram nas prateleiras Fallout: New Vegas.

Em todos esses títulos, a Obsidian enfrentou problemas de prazos.

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Lá e de Volta Outra Vez

Em muitos aspectos, New Vegas não nega seu parentesco com Fallout 3: o mesmo motor gráfico (incluindo suas limitações), o mesmo combate (incluindo suas limitações), as mesmas mecânicas de inventário, comércio e transporte (incluindo suas limitações). Em contrapartida, a Obsidian melhorou substancialmente a interface de gerenciamento de aliados e adicionou falas e missões paralelas que dão vida a um sortido grupo de companheiros de viagens. Além disso, introduziu um sistema de fabricação de itens que julguei confuso e sequer usei.

Em muitos momentos, me senti jogando um mod gigantesco e não um jogo independente, e a sensação de mais do mesmo me rondava como um predador à espreita.

Tudo muda substancialmente quando se chega ao lugar que dá nome ao jogo. É uma longa estrada, acredite, o que prejudica o ritmo da aventura. Mas New Vegas e seus habitantes, seus vícios e conflitos acrescentam camadas múltiplas de enredo e nos oferecem uma das mais fascinantes cidades já vistas em um jogo eletrônico e certamente da franquia. A quantidade de atmosfera colocada aqui, decadência e esperança misturados em iguais proporções, são a espinha emocional do título: pequenas vidas em busca de um oásis escapista da dura realidade do apocalipse, vagando em meio a grandes tubarões ansiosos por poder. New Vegas vive e pulsa, embora a carência de personagens circulando por limitações técnicas deponha contra a imagem que se deseja passar.

Fallout New Vegas 49

Em minha imaginação e, no futuro, em minhas lembranças, a cidade fervilha. O que apenas acentua o equívoco da insistência do jogo de nos empurrar de volta para o deserto literal que a cerca, uma cópia colada à exaustão de dezenas de locais já vistos em outros Fallout. Tivesse New Vegas sido um jogo centrado basicamente em sua cidade-título, uma experiência intimista, beirando o noir ou o faroeste, a Obsidian teria acertado as notas certas comigo.

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Mas o senso de épico é ao mesmo tempo uma tradição e uma sina da franquia. Nunca é apenas por um chip de água, nunca é apenas para levar alimento ao seu povo ou encontrar o pai. Fallout precisa ser sobre um herói a contragosto movendo céus e terras pela sobrevivência de toda a região.

E lá vai o nosso garoto de entregas, promovido a salvador da pátria.

Façam suas Apostas!

A Obsidian parece indecisa sobre o tom do jogo: é sobre vingança? É sobre essa cidade infernal e suja no meio do nada? É sobre uma guerra que se descortina e jogos de conquista? O garoto de entregas acaba se tornando o que deveria ser desde o início, enfileirando missões de entrega pelos quatro cantos do Mojave, seja de objetos ou de perguntas e respostas. Não é o mais divertido dos RPGs, mas as situações de combate tampouco empolgam, vítimas de um sistema truncado que não se decide entre FPS e dados rolando nos bastidores.

Mas a Obsidian tem uma obsessão secreta, destilada em seus outros títulos: escolhas importam. Mais do que em outros títulos que compartilham "RPG" em sua descrição, em Fallout New Vegas o final e o caminho até lá podem realmente ser determinados por suas decisões. Não diferentes epílogos, não raios de cores diferentes, não falas diferentes com o mesmo resultado, mas finais diferentes dependendo de quais alianças, ou melhor dizendo, qual é o menor dos males que você escolhe. Por conta disso, não é possível continuar após a conclusão: as variáveis envolvidas são muitas.

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É claro que um lugar como New Vegas não merece um final preto no branco, onde os vilões são claramente malignos e os mocinhos claramente santos. Tudo é cinza aqui, cada lado tem sua agenda, seus defeitos e cabe ao jogador construir seu castelo de decisões sobre esse gelo fino, torcendo por um melhor que certamente não virá. A guerra, a guerra nunca muda.

E como a Obsidian nos deixa no escuro! Não há a mão forte do desenvolvedor aqui determinando quem é confiável e quem não é. Não há julgamentos morais, não há um jeito "certo" de vencer. Escolha seu lado e viva com as consequências. E como o protagonista não é um mero cara cuidando da sua vida, é óbvio que suas decisões irão afetar o destino de todos, para o bem ou para o mal. Tomei decisões das quais me arrependi, matei quem não devia morrer, deixei viver quem não merecia, sentei na mesa de jantar com demônios, arranquei a asa de anjos. Mas, sim, essa jornada foi minha.

(ironicamente, me tornei muito parecido justamente com aquele que ordenou minha morte)

O Bom, o Mau e o Bug

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Outra obsessão da Obsidian são os bugs. Uma vez que a empresa sempre atrasa seus projetos, a correria final paga seu preço. Embora New Vegas tenha provocado muito menos fechamentos abruptos do que Fallout 3, ele colocou na minha frente algo que eu só tinha ouvido falar em lendas: bugs que impedem o término de uma missão, talvez o jogo. E não uma única vez, mas duas. Na primeira, consegui solucionar utilizando instruções do console para remover um NPC de um lugar e colocar em outro. Na segunda, as instruções de console eram bem mais complicadas e considerei aquilo a gota d'água para mudar de facção e assumir outro caminho.

Mas há mais problemas técnicos em New Vegas do que meros erros de programação. Talvez a grande quantidade de missões com zigue-zague não fossem tão enfadonhas se o sistema de Fast Travel funcionasse melhor. Considere o cassino Lucky 38, ponto central de toda a trama: para viajar para lá o jogador precisa pegar um Fast Travel até a entrada Norte da Strip (tela de carregamento...), entrar na Strip (tela de carregamento...), deixar os aliados na porta do Lucky 38 (porque é proibida a entrada), entrar no Lucky 38 (tela de carregamento...) e escolher o andar que se deseja ir (tela de carregamento...). Há pelo menos duas telas de carregamento desnecessárias aí.

Exagero? O mesmo se aplica à comandante da NCR na represa Hoover: viagem até a represa (tela de carregamento...), entrada nos escritórios superiores (tela de carregamento...), descida até os níveis inferiores (tela de carregamento...), entrada nos alojamentos (tela de carregamento...) e depois ainda procurar a NPC, porque ela muda de lugar. Se ela pudesse ser encontrada nos escritórios superiores, conversando com o recepcionista talvez?, já seriam alguns minutos economizados a cada ida e vinda para relatórios de missão.

O mesmo se repete com a Brotherhood of Steel, com a Legion...

Lembrem do Álamo

Para um título que insinua uma batalha de proporções colossais no horizonte e cujo peso paira sobre a cabeça de todos por dois terços da aventura, quando os tambores da guerra finalmente rufam, o resultado é... decepcionante.

Há um único momento épico em todo o confronto, amplificado pelo fato que eu sabia que eu havia tornado aquilo possível com um poderoso aliado. Em plena desolação do fim da civilização, olhar para cima e ver o que vi foi fantástico. Ainda que fugaz.

Onde está a corrida triunfal ao lado de Liberty Prime em Fallout 3? Ou a tensa e devastadora destruição no final de Broken Steel? Onde está a angustiante batalha palmo a palmo de Alpha Protocol (da mesma desenvolvedora) em sua última hora? Mesmo Mass Effect 3 com sua controversa conclusão me fez suar sangue para chegar até ela. New Vegas termina com um grande cenário desperdiçado em uma briga minúscula, antes de me empurrar para desnecessárias batalhas com chefes (!?).

Não foi para isso que eu saí de New Vegas, da minha querida Freeside, das articulações da Strip. Não acredito que perdi o show de calouros do King's School of Impersonation para um desfecho tão melancólico.

Obsidian, porque não se conteve? Porque não manteve tudo na cidade do pecado e do jogo? Como uma mariposa condenada, foi atraída pelas luzes e pelo desafio, mas se espatifou no brilho do neon e deixou meu entregador largado no deserto, triunfante de uma batalha de Pirro. Meu primeiro Fallout que não fulgura na Lista de Favoritos. Um grande jogo, mas não o suficiente.

Fallout New Vegas 66

Ouvindo: The Beatles - Your Mother Should Know

6 comentários:

Luiz Antônio disse...

Ótima analise.

Prefiro Fallout 3 e 4 do que NV. E também acho NV um grande jogo, só não é o melhor da franquia, imho.

Recomendo jogar as DLCs. Elas são ótimas com boas histórias.

Arrisco dizer que algumas dessas histórias são até mais interessantes do que a historia principal.

Takeshi disse...

Apesar de amar New Vegas, sempre achei a história do 3 e 4 mais interessante. A Bethesda pode não ter colocado tantas decisões como a Obsidian, mas certamente fez algo bem menos arrastado. Destaque para Broken Steel e Far Harbor (FO4), que arrumaram muitos erros dos jogos base e são excelentes DLCs.

Ainda assim, a melhor parte de NV são as side quests, muito divertidas (a maioria delas), políticas e com decisões interessantes.

Esperando uma review de Fallout 4.

MrLinx disse...

O grande problema de New Vegas pra mim é que o jogo não consegue manter o pique inicial. De inicio temos side-quests muito criativas e interessantes mais depois, parece que a magia inicial vai sumindo. Eu gostei bastante do jogo principalmente por muitas referências aos primeiros títulos, mais no fim acho que a experiência com o jogo deixa a desejar em vários aspectos muito bem citados na análise. O Fast Travel desse jogo me irritou demais, principalmente perto do fim, ficar voltando lá em Strip pra resolver as quests estava ficando totalmente tedioso.
Aquino, recomendo você a jogar as DLC's, tem algumas muito boas (Honest Hearts e Lonesome Road) outras nem tanto (eu detestei Old World Blues, Dead Money deu pra engolir).
No mais, parabéns pela excelente análise! E que venha Fallout 4!




Shadow Geisel disse...

Não li a análise, pois como te falei via Twitter, adoro FNV a ponto de não gostar de ler análises de outras pessoas sobre o jogo. Mas acho que, se você não gostou do NV, passe longe do Fallout 4. Discordo sobre o comentário de um dos participantes sobre as DLCs: achei elas sem sal nenhum e nem valem a compra (apenas a Old World Blues traz conceitos interessantes). De resto, acho que o NV conserta vários problemas do FO3, como falta de profundidade nos diálogos, sistema quebrado de perks ((invencibilidade ao nível 30??? Alguém) e excesso de lugares mortos, sem nada pra fazer. Enfim, minha opinião.

Shadow Geisel disse...

Complementando, pois esqueci de vender meu peixe: quem gostou do jogo como eu, e ainda não conhece meu blog, aqui vai meu texto explicando os quês e porquês de eu considerar o NV o melhor Fallout moderno. Espero que gostem da leitura: http://maisumblogdegame.blogspot.com.br/2015/08/meu-review-supremo-de-fallout-new-vegas_23.html

Rafael Miranda disse...

Nossa cara, eu li tudo que você escreveu sobre fallout até agora, e até agora vinha concordando com todos seus argumentos, até agora. Em Fallout New Vegas nossas opiniões divergem quase que totalmente, concordo com a batalha final meio decepcionante, mas para por aí mesmo.

Considero New Vegas de um nível superior ao Fallout 3, não em questão de gráficos obviamente - mas convenhamos quem joga um jogo produzido a uma década atrás não liga para gráfico - mas pela própria narrativa, FNV é muito mais épico que o 3 na minha humilde opinião.

Mas em que pontos e por que discordo do seu texto, acho que tem a ver com a experiência de jogo que tive. Bom para começar iniciei o jogo no modo Hardcore, isto em si já te coloca frente a um monte de problemas que simplesmente não existem em outros modos. Por exemplo em uma determinada quest da Brothehood eu estava com uma bomba presa ao corpo ao mesmo tempo que meu personagem desidratava de sede, se eu saísse de determinada região a bomba explodiria, mas se eu ficasse a desidratação me enfraquecia rapidamente, era uma corrida contra o tempo, não apenas para resolver a quest da Brotherhood, mas por mim mesmo, se demorasse demais meu personagem simplesmente morreria de sede no deserto, nunca fiquei tão vidrado na tela de meu PC.
Outro fator, Freeside, não passei muito tempo em Freeside, eu estava trabalhando para House ao mesmo tempo que trabalhava contra ele se é que você me entende, então, dentro da minha visão narrativa da história não cabia a mim ficar perambulando muito perto de seus espiões, então não fazia muita questão de ficar na área urbana de New Vegas, e não senti falta nenhuma disso, me apeguei muito mais aos Boomers e aos Grandes Khans (comunidades isoladas) com seus costumes e tradições e problemas próprios do que aos habitantes de Vegas, os quais eu mal via.
Por fim outro ponto discordante, o embate entre os "chefes" no final, esse foi sem dúvida o momento que mais vai ficar em minha memória. Quando cheguei até Lanius houve um embate que exigia Speech 100 várias vezes seguidas, ou porradaria, neste momento fiquei extremante satisfeito em ter investido em Diálogo, fui premiado com um dos debates mais épicos que já vivi nos games com frases como "Você deseja negociar, o leste esta cheio de corpos daqueles que desejavam negociar com a legião", e o incrível "Não é a força do oeste que vai te derrotar, são suas fraquezas", um discurso digno de um personagem nível 100 em discurso, mante frieza e raciocínio mesmo cercado de inimigos e um poderoso adversário e não apenas um "ok você tem 100 de speech passou no teste".Perceba que aqui, não foram todos os jogadores que passaram por isso, apenas os que investiram em diálogo sacrificando outras habilidades, inclusive outras quests que exigiam outras habilidades, ou seja, as ações pesavam sobre o jogador, nada era em vão.
Enfim, em minha memória de jogador, Fallout New Vegas esta entre os melhores enredos de RPG que já vi, embora claro, esbarrando em questões técnicas, espero sua análise de Fallout 4, até.

Algumas pessoas podem discordar dos meus argumentos, mas enfim cabe a cada um provar seu nível de Speech, kkkk.

Retina Desgastada

Blog criado e mantido por C. Aquino

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