Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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7 de janeiro de 2016

Damien Esteve Aqui

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Nunca tive jeito com crianças. Na verdade, na adolescência, eu procurava ao máximo manter uma distância segura de crianças. Eu dizia para todo mundo que jamais teria filhos.

Dizem por aí que sou um ótimo pai. O que não significa que eu tenha magicamente adquirido um dom para lidar com crianças. Eu adquiri um mágico instinto natural para lidar com uma criança, uma única criança em específico. E nenhuma outra.

Essa constatação nunca foi tão forte quando na terça-feira em que Damien esteve aqui.

Obviamente, seu nome não é esse. É apenas um nome que eu coloquei para preservar sua identidade, sem nenhuma outra conotação.

Meu filho me informou que tinha marcado com Damien para aparecer aqui em casa às quatro da tarde para conhecer nossos jogos. Dormi em algum ponto de 2015 e acordei em um ano diferente em que meu filho conversa pelo interfone e agenda compromissos.

Em minha total inadequação, acreditei que Damien furaria. Ou apareceria às 5 da tarde. Seis, talvez. Ou no dia seguinte. Que criança de 8 anos usa relógio? Minha esposa supôs que ele sequer viria. Eu tinha dúvidas se ele existia.

Às quatro da tarde em ponto, ele tocou a campainha. Se fosse um robô, não seria mais preciso.

Deixei as crianças brincando de Lego porque é claro que eu não tinha terminado meu trabalho, uma vez que nunca me passou pela cabeça que Damien chegaria no horário. Nenhum adulto que eu conheço chega no horário. Deve ser uma dessas coisas assustadoras que as crianças fazem para enlouquecer a gente.

Quando percebi que a impaciência estava aumentando, encerrei o expediente e abri o Minecraft. Temos mais mods instalados que dedos nas mãos, então, é claro que é uma revelação para quem já conhece o jogo dos consoles, certo? Errado. Nosso mundo à beira de majestosas montanhas mágicas repletas de dragões não impressionou o menino.

Mundo dos Dragões

Ele pediu para colocar no Criativo, porque só sabe jogar no Criativo. Tem medo das criaturas da noite, parece. Nunca joguei no Criativo com meu filho. Na verdade, já jogamos no Hardcore um período. É para criar pelo no peito, não esse joguinho água com açúcar que os YouTubers mostram.

Quando meu filho vai ao banheiro, Damien e eu conversamos. Ele tem um Xbox. Tem PES instalado. Pergunta se eu joguei Five Nights at Freddy's 3. Eu desconverso. O frio sobe pela espinha.

Quando meu guri volta, resolvemos mostrar a vila que criamos no começo do ano passado. É um trabalho bem acabado de Minecraft: temos várias casas, plantações, galinhas e até uma linha de trem. O vizinho pede para assumir parte dos controles quando eu estou mostrando os aldeões. A primeiríssima coisa que Damien faz é matar um aldeão. Em seguida, somos mortos por um Golem de Ferro que eu montei, por que a função primária de um Golem de Ferro é proteger os aldeões, não o jogador. Damos respawn e o projeto de huehuebrbr segue destruindo coisas em nossa vila enquanto gargalha loucamente. Minha sorte é que tenho backup.

Cometi o erro de ter instalado Ori and the Blind Forest na véspera. Meu filho só descobriu agora e está louco para experimentar. É um jogo belíssimo. Um jogo belíssimo com uma longa introdução. Meu guri, filho de peixe, aguarda embevecido. Damien é taxativo: "chatinho, hein?".

Troco de jogo, para desespero do meu filho, com a promessa de jogarmos depois, em uma "oportunidade melhor". Apresento Damien a Mechanic Escape, um delicioso jogo de plataforma que já havia jogado antes com meu filho e meu afilhado, um rapagão de 13 anos mais alto que eu.

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Meu guri reluta. Meu afilhado meio que deu uma surra na gente no esquema de "morreu, passou a vez pro outro".

Mas foi a melhor escolha. Damien não conhece jogos de plataforma. Como é possível uma criança dessa idade saber o que é um jogo e nunca ter jogado uma plataforma é um mistério para mim. Mas Five Nights At Freddy 3 seus pais deixam ele jogar... Cadê o telefone da assistência social?

A inabilidade de Damien fez a confiança do meu filho aumentar e ele voltou a tomar gosto pelo jogo. Mas eu estava certo: plataforma é um gênero natural para crianças. Em meia hora, o vizinho já está avançando em Mechanic Escape com desenvoltura. Ele aprendeu em minutos a desenvolver habilidades que demorei meses. Se os pais deles colocaram um jogo do gênero no Xbox, até o final das férias já estará jogando melhor do que eu jamais fui.

Mas Damien passa o tempo inteiro pedindo Minecraft de volta.

Chegam as Trevas

Voltamos para o nosso novo mundo em Minecraft. É um mundo em que venho trabalhando por alguns dias. Tudo parece finalmente sincronizado entre nós e descemos para as entranhas da terra para minerar. Todo mundo parece estar finalmente curtindo a mesma coisa. Sou um sucesso com crianças!

Então, o computador desliga sozinho.

Acabei de instalar o Windows 7 em um HD novinho em folha. O HD que estava prestes a pifar nem está mais conectado na placa-mãe. Que forças ocultas estão em funcionamento nesse fim de tarde?

Após todo o processo de reboot, retornamos ao Minecraft.

Meu mundo estava corrompido. Irremediavelmente corrompido. Como nunca vi em Minecraft.

Não corrompido como acontece no Windows quando você nem consegue abrir um arquivo. Corrompido no sentido em que um vasto pedaço do mundo foi preenchido por um vácuo negro e ameaçador. Um vácuo negro e ameaçador entre minha casa e minha mineração. No meio do nada, eu ainda conseguia enxergar a porta que abria para a residência. Onde antes havia um longo corredor, agora tinha o Nada. Onde antes estava meu baú para guardar itens importantes, agora tinha o Nada. Fiquei perplexo diante do abismo infinito.

Damien falou: "pula!".

Vinte e cinco anos atrás, um comentário desses teria sido recebido com um pescotapa, mas sou um homem maduro agora que já viu muita coisa nessa vida. Entreguei-me ao destino e caminhei em direção às Trevas no monitor.

Esbarrei em uma barreira invisível. Sofri dano. O infame dano por sufocamento que acontece quando seu personagem e um outro bloco qualquer tentam ocupar o mesmo lugar no espaço em Minecraft. A corrupção matava mesmo.

O relógio deu sete horas e Damien partiu, sem nem me dizer "adeus". Minha esposa abriu a porta e ele se foi. Não sei quando volta ou se volta.

Eu não tinha backup daquele mundo ainda. O jogo não tinha backup. Minhas tentativas de corrigir a corrupção não deram em nada.

Apaguei o mundo. E fui jogar Ori com meu filho.

Ouvindo: Colony 5 - Psycho Blonde

7 comentários:

Eder R. M. disse...

Crianças :-P

Que coincidência eu ter mencionado o Ori e the Blind Forest nos comentários em outro post e vc agora falar que está com ele instalado.

Como eu disse anteriormente, é um jogo bem difícil, que requer pulos exatos e reflexos à mil. Lindo demais, mas ao mesmo tempo punitivo demais pra mim.

Creio que esse jogo pode acabar tendo o mesmo destino que o Ethan Meteor Hunter para vocês. :D

Tais disse...

seus textos <3

Marcos disse...

que dia ruim pra receber visita, hein?

Marcos A. S. Almeida disse...

Felizmente pra cada Damien ou Lucius há um Bob (anjo protagonista do game Messiah).Esse parece realmente um "projeto de huehuebrbr".Ou de deputado.

Aquino, estou com umas chaves para sorteio. Só lembro delas quanto você realiza um sorteio aqui no blog. Como posso repassá-las pra sorteios futuros de forma segura?

Michael Andrade disse...

Esses são os melhores posts! Dá pra viver o que se está lendo e sentir toda a emoção sentida pelo protagonista hahahaha. Seria tão fácil se o protocolo social nos permitisse simplesmente expulsar essa criança de casa com um pontapé num momento desses e depois poder permanecer com um sorriso de missão cumprida xD

Michael Andrade disse...

Ah, e é seu aniversário hoje mesmo, Aquino? Estou aqui meio perdido no tempo e dei uma lida no seu twitter... bem, se for, FELIZ ANIVERSÁRIO rapá! \o/

E se não for... hunf... que momento constrangedor ><

Raphael Airnmusic disse...

Hehehee, ótimo ficar longe do blog por um tempo e quando volto, tem um texto narrativo excelente desses me esperando =D

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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