Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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3 de dezembro de 2014

Reveses

Você já ouviu falar de um jogo chamado Zombie World? Era um jogo onde você utilizava a Língua Preênsil de um Búfalo D'Água como arma para enfrentar Bruce Lee no Inferno. Não lembra? Tudo bem, isso foi em 1992 e, pra ser sincero, apenas seus desenvolvedores jogaram. Mas eu chego lá.

Tinha esses quatro caras. Erik, Pat, Chet e John. De dia trabalhavam como programadores na área de processamento de dados e achavam seus empregos um grande pé no saco. O que eles queriam mesmo era criar jogos e era o que faziam depois do expediente, só parando para dormir antes de bater ponto no dia seguinte em suas respectivas firmas.

Os quatro estavam tão motivados que alugaram uma sala comercial em uma vizinhança pouco amigável em Cleveland.

O que os motivava era um jogo de texto para ser jogado online em um BBS chamado de Zombie World. Basicamente, você descia ao Inferno e enfrentava versões zumbi de todo mundo que já havia morrido, inclusive pessoas famosas. Isso foi bem antes da febre de mortos-vivos varrer a indústria de jogos, então não tinha ninguém fazendo sanduíche de Jill ou legiões de devoradores de gente em balneários paradisíacos. Era só texto. E era absurdo.

Chet entrega o grau de loucura: "nós inventamos muito conteúdo bizarro. Todas as pessoas famosas que morreram tinham descrições engraçadas, além de todas aquelas armas estranhas. Era tudo texto, então se você acertava alguém com um 'phaser de madeira', nós descrevíamos que você acertou com 'três lascas' para fazer quatro pontos de dano".

Tinha também o Salão dos Presidentes Mortos onde era possível combater JFK, Roosevelt, Lincoln, Washington e outras figuras fáceis da História americana. E um aparelho de CD que podia tocar música se você encontrasse o CD. E a Língua Preênsil do Búfalo D'Água.

Por um ano e meio, o grupo seguiu a mesma rotina todos os dias: largar seus escritórios, comprar cerveja e ir programar Zombie World no pulgueiro alugado, entre uma partida de Road Rash ou Street Fighter em um 3DO surrado. Tudo regado a música heavy metal.

A esta altura do campeonato, a história de Zombie World envolvia o protagonista ser contratado por Brandon Lee para descer ao Inferno, encontrar e derrotar seu pai, o grande Bruce Lee. A história ficou desconfortável depois da fatalidade que provocou a morte do próprio Brandon Lee...

Antes mesmo que pudessem pensar em um novo enredo para um jogo que, vamos ser honestos, nem precisava muito de uma premissa, os quatro foram surpreendidos por um revés que alteraria suas vidas para sempre.

Depois do feriado prolongado de Ação de Graças de 1993, Chet chegou ao escritório alugado e descobriu que ele havia sido arrombado. Todos os computadores, todo o código já feito para Zombie World havia sido levado.

Conseguiram descobrir que o autor do roubo tinha sido um vizinho de porta, um outro programador que trabalhava em uma sala no final do corredor e que tinha um "olhar suspeito". Um sujeito que até já havia bebido cerveja diversas vezes com eles no meio do equipamento que ele viria a roubar meses depois. Conseguiram armar um flagrante do traíra vendendo um dos HDs roubados e a polícia trancafiou o ladrão. O culpado pegou dois anos de cadeia. Mas Zombie World havia sido formatado.

Um ano e meio perdido.

Esperanças e sonhos destruídos.

Não havia como recomeçar do zero.

Com certeza, você nunca ouviu falar de Zombie World. Ninguém ouviu.

Mas você provavelmente conhece Erik e Chet. Erik Wolpaw e Chet Faliszek não se conformaram com sua existência no mercado de TI e não abandonaram sua paixão por jogos. Juntos, criaram o pioneiro site Old Man Murray, um dos primeiros blogs a falar sobre o assunto, em uma época em que a palavra "blog" nem havia sido inventada ainda. Seu trabalho foi tão influente que é considerado o berço do jornalismo moderno de jogos.

erik-wolpaw-chet-faliszek

Wolpaw e Faliszek seriam contratados pela Valve anos mais tarde, não por suas habilidades em programação, mas pela qualidade do seu texto. Mais de dez anos depois das noites de bebedeira e Zombie World, a dupla contribuiu com a criação das histórias de Portal, Portal 2 e da timeline de Half-Life. Sem zumbis de Bruce Lee ou presidentes falecidos, Faliszek escreveria sozinho o universo de Left 4 Dead, finalmente trazendo o apocalipse dos mortos-vivos para o mundo dos jogos.

project zomboidA triste história de Zombie World talvez nunca viesse à tona se não fosse por outro incidente igualmente infeliz: o furto de todo o material de desenvolvimento do jogo independente Project Zomboid.

O mesmo tema, a mesma garra de quem está se esforçando para criar seu próprio jogo sem patrocínio, o mesmo infortúnio. Felizmente, Project Zomboid já tinha chamado um pouco de atenção na mídia antes do roubo. E a equipe de desenvolvimento recebeu muitas mensagens de encorajamento e condolências.

Uma destas mensagens veio dos servidores da Valve. Era assinada por Chet Faliszek. E contava o triste destino de Zombie World.

Project Zomboid se reergueu dos mortos. O mundo ganhou o Old Man Murray e as excelentes narrativas de Portal, Portal 2 e Half-Life 2. Left 4 Dead foi engendrado.

Mas perdemos a Língua Preênsil do Búfalo D'Água para sempre.

Ouvindo: Racionais - Vida Louca II (ao vivo)

6 comentários:

Tais disse...

A história do Zombie World foi extremamente familiar pra mim quando comecei a ler, aí lembrei que sabia do lance todo por causa do Final Hours of Portal 2 =P realmente trágico. A situação do Project Zomboid já não conhecia.

Shadow Geisel disse...

armazenamento em nuvem? não?

Gledson A. disse...

Estava pensando nisso, Shadow. Como alguém com um projeto desses não poderia ter feito backup? Um simples backup!

=/

Bom, acho deve ter uma explicação lógica por trás disso.

C. Aquino disse...

No caso do Zombie World, era 1992, gente! Não tinha nuvem, mal e porcamente havia world wide web. Mas, sim, podiam ter comprado uns disquetes e feito backup.

No caso do Project Zomboid, eles foram bastante criticados por não terem feito backup. Acho que aprenderam a lição.

C. Aquino disse...

E comi mosca por ter comprado o Final Hours do Portal 2 e até hoje não ter aberto...

Gledson A. disse...

Ok, ok, admito que em 92 a ideia de armazenamento na nuvem não era lá uma opção, mas que foi bobeira deles não terem feito backup através de uma mídia física, como o caso do disquete que tu disse, isso foi.

Bom, de qualquer forma, tudo deu certo no final. Apesar do jogo não ter sido lançado, os criadores até que se deram bem.

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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