Expectativa é um mecanismo cerebral ingrato. Está mais ou menos relacionado a preconceito, onde você acredita firmemente em algo, antes mesmo de ter qualquer prova daquele fato. É o que pauta as categorias Surpresa do Ano e Decepção do Ano na postagem de final de ano do blog. Por que, às vezes, você espera que um jogo seja aquilo que seus desenvolvedores nem imaginavam.
Zeno Clash é uma pérola indie de nossos vizinhos (não-fronteiriços, mas culturalmente) do Chile e tira leite de pedra da engine Source, sendo um irreconhecível filho bastardo de Half-Life 2 com ervas que fariam Carlos Castaneda esboçar um sorriso, se vivo estivesse.
Nas profundezas do meu cérebro obtuso, o jogo era um RPG de ação muito louco, com lutas e um universo bizarro a ser explorado. Errei feio e subestimei tanto a quantidade de lutas quanto o aspecto insano do título.
Comecemos com o lado bom: Zeno Clash é pirado. Esqueça Outcast ou qualquer outro jogo de ficção-científica que você tenha conhecido. O mundo aqui apresentado é realmente alienígena para os parâmetros humanos: criaturas, hábitos, armas, sociedade, vestuário, tudo é tão deslocado do real que não dá para imaginar a Ace Team produzindo isso sem consumir substâncias ilegais.
É um bem-vindo sopro de criatividade e fiquei com a impressão que um pouco do realismo fantástico do também vizinho Gabriel García Marquez vazou na criação. É uma visão tão refrescante (e exótica) quanto algumas loucuras cometidas no Leste Europeu (como You Are Empty e todo o trabalho da Ice-Pick Lodge e da Amanita).
Infelizmente, a Ace Team parece ter medo de soltar o jogador neste mundo que grita para ser explorado em open world. O que recebemos em troca são mal-disfarçados corredores no meio da floresta e inimigos que brotam de lugar nenhum quando cruzamos determinado ponto do caminho. É um jogo com menos curvas e vielas do que o próprio Half-Life 2 de onde pega emprestado o motor gráfico.
A história se revela a conta-gotas e funciona como um tosco pretexto para infindáveis sequências de luta corporal. Em determinada parte, o protagonista conta para sua companheira em flashback: "conheci fulano e fulano era assim. Lutamos". Entra você para lutar com o inimigo. Imediatamente, em seguida, o protagonista conta: "também conheci beltrano e sicrano e eles eram de outro jeito lá". E adivinha? O enredo morre aí e vem mais luta. É isso. Duas, três frases e o couro come.
Os combates em si são satisfatórios. Você sente o ritmo da luta. Cada oponente tem um conjunto de gingados e táticas e você precisa estudar esses movimentos. Não é fácil. Na verdade, apanhei e apanhei muito. Mas cada golpe que você encaixa tem a sensação certa de triunfo e cada vitória vale o esforço.
Mas a Ace Team ficou deslumbrada com o sistema de luta mano a mano que criou e empurra ele a cada dois minutos. É como um filme de kung-fu, sem os exageros. Entre um arranca-rabo e outro, você tem algumas frases trocadas ou péssimas partes onde você usa armas de fogo da pior estirpe contra a fauna hostil. Mas é tudo tão frustrante que é melhor abandonar as pistolas e bestas encontradas e partir para cima dos animais com chutes e pontapés.
Com 88 minutos jogados, sei menos sobre o mundo de Zeno Clash do que gostaria e já cansei de trocar sopapos. Esperava uma aventura em terras inusitadas. Encontrei um jogo de luta, sem variedade ou alma.
Maldita expectativa.
2014 Avança
OutcastThe Walking DeadPaper SorcererNecrovisionZeno Clash- The Witcher
- GRID
- Dungeonland
Race the Sun- Sang-Froid
- Foreign Legion
- Hotline Miami
- STALKER Call of Pripyat
- The Bridge
- Brothers
- Papo & Yo
3 comentários:
"Nas profundezas do meu cérebro obtuso, o jogo era um RPG de ação muito louco, com lutas e um universo bizarro a ser explorado": Nossa véi, tu viajou tanto quanto a aquipe da ACE team, uheueheuhe. Onde você viu que parecia RPG?
"O que recebemos em troca são mal-disfarçados corredores no meio da floresta e inimigos que brotam de lugar nenhum quando cruzamos determinado ponto do caminho": Cara, joguei o 2 com um amigo e os cenários eram bem abertos até, e você via com quem ia lutar antes de trocar sopapos. Aí tinha uma espécie de teletransporte pra andar de um mapa e outro, que não são muuuito grandes (avancei no primeiro menos do que você, não lembro de ter visto algo similar nele).
Quando à história, eu desisti de acompanhar porque foi impossível enquanto conversava no coop, mas tinha lido em resenhas que o 2 procura explicar de maneira bem mais sólida o que raios está acontecendo. Dá uma chance pra continuação, vai ser menos frustrante (bem, ao menos quando está com outra pessoa).
É uma pena que vc não conseguiu seguir em frente, ele vale a pena ser jogado só para poder se ver qual é o próximo conceito bizarro que os desenvolvedores vão inserir.
Daria uma nova coluna em blog: "ótimo game que a Obsidian/Rockstar/Bioware não criou".
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