Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
Comunidade do SteamMastodonCanal no YouTubeInstagram

1 de maio de 2013

Como Não Fazer Uma Adaptação

Desde sua criação, o bigodudo encanador e a série Super Mario já venderam 262 milhões de cópias. Isso até 2011, segundo a NPD. Isso somente contando a série principal. É a franquia de jogos mais bem-sucedida da História.

Entretanto, Super Mario Bros, o filme, arrecadou míseros 20 milhões de dólares nos cinemas americanos. É uma quantia tão ridícula que não cobriu nem metade dos custos de 42 milhões de dólares estimados para produzir a primeira adaptação de um jogo para a tela grande. O que deu errado?

Super Mario Bros

Uma reportagem publicada no Grantland tentou entender os motivos do fiasco e funciona como uma perfeita cartilha do como não fazer uma adaptação. O que me lembra de uma anedota verídica contada nos bastidores da Marvel, onde um executivo conta que ao tentar fazer decolar um filme do Demolidor foi surpreendido com a pergunta: "por que ele precisa ser cego?". Por que, meus amigos, Hollywood existe em um espaço e tempo completamente fora da realidade.

Em 1990, a Nintendo alcançou o status de gigante no Ocidente, com 62 milhões de unidades de NES espalhadas pelos lares da América. A indústria cinematográfica tinha acabado de passar por uma explosão de filmes infanto-juvenis, com sucessos como Esqueceram de Mim, Querida, Encolhi as Crianças e Tartarugas Ninjas (a quinta maior bilheteria daquele ano). A lógica era simples: pré-adolescentes estão lotando as salas de cinema, pré-adolescentes adoram joguinhos, logo, pré-adolescentes vão enlouquecer com um filme de um jogo. Qual é o jogo que está bombando mesmo?

Em setembro de 1990, a Lightmotive, produtora do diretor Roland Joffé, venceu uma acirrada concorrência pela aquisição dos direitos de Super Mario com a Nintendo. A proposta conquistou o coração da desenvolvedora japonesa porque o filme funcionaria como um prelúdio para o próximo jogo e os planos futuros envolviam intercalar jogos e filmes contando uma saga unificada. Se a ideia funcionava no papel, na realidade o começo já estava equivocado.

Roland Joffé era um cineasta de mão cheia, tendo sido indicado para o Oscar de Melhor Diretor por Os Gritos do Silêncio (1984) e A Missão (1986), dois dramas históricos envolvendo temas pesados. Mas tinha zero experiência com filmes de ação ou aventura. Ciente disso, ele pretendia atuar apenas como produtor, mas é incompreensível sua escolha em assumir este projeto em qualquer nível.

O nome de Joffé pode ter atraído um astro de primeira grandeza: o recém-ganhador de Oscar Dustin Hoffman. O ex-protagonista de Rain Man, veterano da indústria, foi o primeiro candidato ao cargo de Mario. Ele desejava o papel também como forma de agradar aos filhos, fãs absolutos do personagem. Apesar de seu talento inquestionável, era óbvio até para o mais parvo dos executivos que o ator não se encaixava no perfil exigido. Os estúdios queriam Danny DeVito, que parecia ser o mais próximo da aparência do encanador que Hollywood poderia produzir. Felizmente, ou infelizmente, DeVito optou por dar continuidade ao seu próprio projeto, a cinebiografia do sindicalista Jimmy Hoffa, onde dirigiu e atuou. Sem um gordinho baixinho disponível, a produtora quase fechou acordo com... Tom Hanks. O futuro astro de Forrest Gump e O Resgate de Soldado Ryan já tinha aceitado o papel pela bagatina de 5 milhões de dólares quando só então alguém se lembrou de Bob Hoskins. Hoskins não apenas já era conhecido do público-alvo, depois de Uma Cilada para Roger Rabbit e Minha Mãe É Uma Sereia, como também era parecido com o Mario e topou um salário menor! No jogo de empurra entre agentes e ideias mirabolantes, às vezes é necessária uma longa volta até se alcançar o nome certo.

Com o Mario assegurado, restava a dúvida: como adaptar uma história que envolve pular constantemente da esquerda para a direita em um filme? Era algo que nunca havia sido feito antes. E é a partir deste ponto que entramos mesmo no terreno do absurdo.

Samba do Crioulo Doido

O primeiro time de roteiristas era composto por Jim Jennewein e Tom S. Parker, que ainda não tinham nenhum roteiro produzido, mas anos depois seriam os culpados pelas adaptações dos Flintstones e Riquinho para o cinema. A versão deles era mais puxada para o conto de fadas e ficou pronta em 1991. Greg Beeman, o primeiro diretor, pediu as contas (ou foi demitido) logo em seguida. Ele foi substituído por Annabel Jankel e Rocky Morton, que, de imediato, descartaram o primeiro roteiro.

Jankel e Morton tinham vindo da direção de Max Headroom, uma bizarra série de televisão à frente do seu tempo estrelada por personagens de computação gráfica. A série de TV era caracterizada pela forte sátira social, por abraçar o estilo cyberpunk e pelo seu tom sombrio. O casal Jankel e Morton foi o responsável por Dinohattan, a cidade controlada por dinossauros onde o filme dos irmãos Mario seria ambientado. Nada de Reino de Cogumelo, mas uma versão sombria e cyberpunk da cidade de Manhattan e que serviria como sátira social. Qualquer semelhança com seu trabalho anterior seria mera coincidência.

Ao invés de serem freados pela produtora ou pela Nintendo, o casal recebeu o sinal verde. O próprio Joffé descreveu a criação como "uma maravilhosa paródia de Nova York e indústria pesada. Nós o chamamos de Néo Brutalismo".

Super Mario Bros 02

"Mano, por que a gente está com estes trabucos?" "Sei lá, é um tal de Néo Brutalismo"

Para escrever um novo roteiro foi chamado ninguém menos que Barry Morrow, um dos responsáveis pela adaptação do livro que deu origem a Rain Man. Em entrevista para a Variety, Morrow revelou que foi convocado porque tinha experiência em escrever "histórias envolvendo irmãos". Após jogar Super Mario por um dia, ele resolveu explorar mais o lado do mito. Jamais saberemos se Morrow conseguiu capturar a essência do jogo em 24 horas porque sua versão do roteiro passou pela mão de outros nove escritores entre outubro de 1991 e abril de 1992 e a versão filmada não tinha uma única página do original. Joffé chegou a pedir uma nova revisão para amenizar os tons sombrios que Jankel e Morton insistiam em colocar na história, sem sequer consultar os diretores.

Segundo relatos, o roteiro que circulava nos bastidores era uma salada de cores, com diferentes versões costuradas umas às outras. Isso não impediu o casal de continuar improvisando novos elementos durante as filmagens.

A bagunça chegou até o elenco. Hoskins só ficou sabendo que o filme era uma adaptação de um jogo através do seu filho, fã da Nintendo. Segundo consta, Hoskins e Leguizamo, a dupla de encanadores, jogava fora várias páginas do roteiro sem nem ler porque sabiam que elas seriam modificadas. Isso quando não estavam enchendo a cara no set. Leguizamo, completamente embriagado, chegou a atropelar Hoskins com uma van, quebrando a mão do companheiro de cena. Um jornalista que cobria a produção foi proibido de falar com os diretores e foi tirar satisfação com Dennis Hopper, o veterano ator que encarnava King Koopa no filme. Hopper declarou que aquela tinha sido "a única coisa inteligente" que tinha visto os diretores fazerem.

Joffé se esforçou em passar a batata quente pra frente e vendeu a produção para a Disney. O gigante do entretenimento tinha fortes planos para a marca Mario, incluindo um parque temático. Os executivos da Disney viam no filme uma excelente chance de combinar o poder da Nintendo com o poder de Mickey Mouse e engoliram a isca. Segundo o acordo, a adaptação deveria ficar pronta para o Natal de 1992, mas atrasaria ainda outros seis meses...

A Disney teve que tentar colocar ordem na casa. Várias cenas foram refilmadas sem a presença do casal de diretores, que também foram proibidos de entrar na sala de edição. Mas era tarde demais. O estrago já tinha sido feito.

O The New York Times publicou uma reportagem antes do lançamento onde comparava Super Mario Bros a Blade Runner. "A visão impactante da vida em Nova York vai marcar o filme na mente das pessoas". Com a estreia, o discurso mudou. Apesar das críticas negativas, muitos analistas acreditavam que a produção venderia bem simplesmente por trazer a marca "Mario" estampada no cartaz. Não aconteceu.

Mas o The New York Times acertou: as marcas deixadas por esse desastre cinematográfico permaneceriam no cérebro de toda uma geração.

Mario

Ouvindo: The Witcher 2 - Sorceresses

10 comentários:

Nobody_joe disse...

Bem interessante o texto, tenho engavetado no meu blog um texto parecido sobre o making of desse filme, que ainda não postei por estar esperando um amigo traduzir um vídeo que usarei nele.

links que podem te interessar:

http://www.smbmovie.com/SMBArchive/media/behindthescenes.htm

http://www.youtube.com/user/Phlibbit

Helder disse...

"Por que, meus amigos, Hollywood existe em um espaço e tempo completamente fora da realidade.
"
kk, faz mais postagens com esse tema, muito bom. Parabéns!

C. Aquino disse...

Caramba, Nobody_joe, é tanto conteúdo extra neste primeiro link (um site imenso dedicado ao filme!) que estou praticamente envergonhado de ter escrito tão pouco. Tem muitas lacunas que poderiam ter sido preenchidas, imagens e trailers que eu poderia ter usado... espero agora ansioso pela sua postagem!

Helder, pode acompanhar esse tema na tag Cinema, em http://blog.retinadesgastada.com.br/search/label/cinema.

Gledson A. disse...

[...]Segundo consta, Hoskins e Leguizamo, a dupla de encanadores[...]

O link no nome Leguizamo direciona para uma página não existente.



Tirando isso, gostei do post, Aquino; bem engraçado. A cara do John Leguizamo de "wtf" é impagável, rs.

Quase não me lembro do filme, já que o assisti quando era bem pequeno. Só me lembro de não entender absolutamente nada do que estava se passando e de não conseguir fazer a conexão alguma entre o jogo e o filme...

Bom, acho que agora entendo o porque, rs.

C. Aquino disse...

Link corrigido, Gledson! Valeu pelo toque!

Bolívar D'Andrea disse...

Como eu escrevi na minha resenha sobre o Detona Ralph pro Critical Hits (http://criticalhits.com.br/detona-ralph-o-filme-que-pegou-o-espirito-dos-gamers-ou-sera-que-nao/), acredito que esse filme, junto com o Final Fantasy, foi o responsável por não vermos mais jogos virando filme. Seria lindo ver um filme da saga de Link, um filme com a história da Samus. Porém Hollywood perdeu toda a credibilidade no momento que fez esta porcaria de filme.

Marcos A. S. Almeida disse...

Essa bagunça por trás das câmeras têm vilão,herói,ação,suspense e intrigas.Gastaram no set e não sobrou nada pro filme.

Gledson A. disse...

Marcos A. S. Almeida; que trocadilho maldoso, hein. Rs.

Shadow Geisel disse...

pelo menos o Final Fantasy (acredito que vc esteja se referindo ao The Spirits Within) serviu de colírio e de prova que a Square sempre dominou esse ramo da computação (eles seriam os concorrentes perfeitos para destronar a Disney Pixar). esse filme do Mario é muito ruim (mesmo nível do Double Dragon) e só serve pra fazer piada mesmo.

Michael Andrade disse...

Quando eu vi esse filme, eu devia ter uns 11 anos. Para mim, naquela época, o filme tinha sido o máximo, só por ter o Mário e o Luigi mesmo. Somente quando crescido adquiri a consciência da grandeza da merda que esse filme foi para com o jogo HAHAHA

Retina Desgastada

Blog criado e mantido por C. Aquino

Wall of Insanity