Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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7 de março de 2013

A Vingança dos Nerds

Indie Game The Movie

Tive a sorte de crescer em um ambiente escolar onde o bullying era algo que só existia nos filmes da TV e com amigos que me rotulavam de nerd com afeto. Nos dias de hoje, onde a cultura pop está tão contaminada pelo que antes se chamava de coisa de nerd e o filme mais visto de 2012 é uma adaptação de quadrinhos que só eu e mais dois caras liam no colégio, não dá mais para falar de gueto. Mas nerds sempre existirão.

Indie Game: The Movie é sobre nerds, pessoas inteligentes e expressivas que são profundamente aficionadas por um tipo específico de cultura, ainda que isso possa significar um declínio no que se chama de atividade social normal. O documentário se dedica a acompanhar a trajetória dos criadores de três jogos: Braid, Super Meat Boy e Fez. É impossível não reparar nos sinais característicos dos estereótipos: barba hipster ou proto-metaleira, pôsteres da Nintendo Power, fixação em gatos, junk food, isolamento, obsessão, camiseta de banda de rock alternativo. E, acima de tudo, uma grande euforia ao falar sobre seus projetos, que podem tomar anos de suas vidas.

Mas se a primeira reação pode ser rotular estes desenvolvedores e seguir em frente, é nítido também que eles são mais do que os esquisitos da turma que resolveram trabalhar com jogos. Há ali profissionais dedicados, que se recusam a bater cartão em uma empresa, mas varam noites suando em seus teclados. Há filhos devotados, maridos amados (ainda que quase ausentes), empresários iniciantes. Eles sofrem, ficam à beira de lágrimas, se ressentem, se enfurecem. Não há como não se comover com o desespero do criador de Fez diante de tantos obstáculos para apresentar seu jogo na PAX.

Indie Game The Movie 02

Tudo isso em nome do seu farol: jogos eletrônicos. O documentário revela o que parece natural, mas não é: esta é a primeira geração que sempre teve jogos eletrônicos presentes. Cada um destes desenvolvedores respirou e respira este mundo e escolheu esta forma de expressão como um canal para devolver o mesmo amor que sentiram na infância e adolescência. Nenhum deles parece interessado em fama ou fortuna e nem mesmo adaptam suas criações para o público. Eles estão fazendo os jogos que gostariam de jogar, os jogos que precisam fazer para colocar tudo que está dentro do lado de fora. Ao contrário do que dizem por aí, são artistas, os artistas eletrônicos que a Electronic Arts esqueceu.

Mais uma vez, os nerds triunfam no final. Braid se torna um fenômeno. Super Meat Boy vende quase um milhão de cópias. Fez conquista o público. O artista não se conforma com o sucesso ou não acredita que seja possível. Ironicamente, Jonathan Blow se decepciona; apesar de tantas vendas, sua mensagem não foi compreendida. O artista não quer dinheiro, quer declarar o que sente e ser ouvido. Quanta diferença para o mesmo Blow de hoje, que anuncia seu próximo jogo como um exclusivo do PS4.

Talvez o documentário cometa uma grande falha ao se focar em três sucessos comerciais e ignorar tantos outros nerds e seus projetos que jamais decolam. Nem todo garoto de várzea pode ser o próximo Pelé ou o próximo Neymar e a imensa maioria nem mesmo chega à reserva da terceira divisão. Um pouco de holofote na história dos desvalidos poderia ser uma abordagem interessante. O que sobra é uma ode à tentativa, um conto de fadas real da era eletrônica, onde um indivíduo solitário ou uma dupla de amigos podem sacudir a indústria usando apenas dedicação e barba. Não por acaso, o próprio filme foi realizado por somente duas pessoas, com dinheiro levantado via Kickstarter.

(agradecimentos ao camarada @magaiverpr que me arranjou o documentário na última promoção de final de ano do Steam)

Ouvindo: Tristania - Exile

3 comentários:

Hawk disse...

Sensacional o texto, Aquino. Adorei.

Ainda não assisti ao documentário, mas pelo seu texto, acho que vou gostar.

Breno disse...

Nerds de hoje em dia não tem nem a capacidade de criar jogos minimamente decentes. Essa geração nintendo..."buaaaa, não entenderam a mensagem do meu jogo" kkkkkkkkkkkk

Shadow Geisel disse...

..."os artistas eletrônicos que a Electronic Arts esqueceu".

também não se pode generalizar, camarada. se você jogou o Need 4 speed 2012 verá um pouco da arte que aparentemente foi esquecida pela EA. e sim, eu sei que a desenvolvedora do game é a Criterion.

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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