Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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29 de fevereiro de 2012

Mundo Persistente

(Publicado simultaneamente no Gemind)

Recentemente Star Wars Galaxies, LEGO Universe Online e Earthrise se juntaram a Matrix Online, Earth & BeyondThe Chronicles of Spellborn e tantos outros MMORPGs que tiveram seus servidores desligados. Persistência parece ser a qualidade mais dúbia dos jogos massivos. Ainda que os malabarismos da tecnologia possam fazer com que um jogo de trinta anos atrás continue sendo jogado em computadores atuais, um MMORPG só existe enquanto serviço, só respira enquanto seus servidores permanecerem ligados. Não é raro ver uma comunidade de jogadores sobreviver a um título extinto, incapaz de voltar a trilhar os caminhos que tanto conhecia.

A eternidade é possível? Ou somente nas lembranças?

Meridian 59 - Direct 3D 03

Desafiando a lógica comercial e o destino de vários de seus sucessores,  o primeiro de todos os MMORPGs ainda está ativo. Desde 1996.

Jogo Imortal

Meridian 59 - Caixa Meridian 59 é considerado por muitos como o primeiro jogo gráfico 3D para múltiplos jogadores online. Sua história em si daria um bom filme. Ou jogo.

No início dos anos 90,  os irmãos Andrew Kirmse e Chris Kirmse,  jovens estudantes de tecnologia americanos, estavam fascinados por um RPG eletrônico chamado Scepter of Goth, um MUD de texto puro que os acompanhou durante a adolescência. Após um estágio na Microsoft e acesso às versões preliminares do Windows NT e do Windows 95, eles concluíram que o futuro não estava mais em telas escuras com texto em branco. O futuro era gráfico.

Durante o verão de 1994, os irmãos Kirmse investiram todos as suas economias em poderosos equipamentos de desenvolvimento: um par de Pentiums 66 com 16MB de RAM cada e discos rígidos de 500 MB. O irmão mais velho tinha 21 anos. O mais novo, 19. Apesar de serem programadores, nenhum deles tinha conhecimento profundo sobre gráficos ou redes. E estavam tentando criar algo inédito: era Meridian 59. Seguiram em frente.  Com a ajuda dos também irmãos Mike e Steve Sellers, eles conseguiram a grana necessária para fundar a Archetype Interactive. No ano de 1995, o time cresceu. Entre os novos entusiastas estavam Damion Schubert e Rich Vogel, ambos hoje na equipe de produção do multimilionário Star Wars: The Old Republic.

Meridian 59 também crescia junto com a empresa: quando o primeiro servidor foi ligado para testes, o jogo só aceitava quatro jogadores; a versão alpha, lançada no final de 1995, suportava 35 usuários; a versão beta, de 1996, aceitava centenas de jogadores. E eles vieram. Com uma propaganda boca a boca se espalhando pela internet, centenas e centenas de jogadores já estavam online quando o beta foi ligado.  Ao contrário de MUDs gráficos da época, que apenas exibiam imagens em 2D, Meridian 59 provava que era digno de DOOM e trazia cenários em 3D, com sprites de monstros e personagens, um recurso popularizado por Duke Nukem 3D somente no ano seguinte.

A ousadia dos Kirmse chamou a atenção da produtora 3DO, que comprou a Archetype Interactive por 5 milhões de dólares em ações, colocou Meridian 59 em uma caixa para vender e passou a cobrar 10 dólares mensais de assinatura. O lançamento comercial foi em 27  de Setembro de 1996. O termo MMORPG ainda seria cunhado por Richard Garriott e seu famoso Ultima Online quase um ano depois, mas Meridian 59 já tinha sido o pioneiro.

Meridian 59 - 1996

Infelizmente, nem tudo foi um mar de rosas para Meridian 59. A 3DO estava em seus últimos anos de vida, após uma fracassada tentativa de lançar um console. Os cinco milhões de dólares em ações pagos à Archetype Interactive desvalorizaram 75%  no ano seguinte. Nenhum investimento em marketing foi feito, nenhum reforço da 3DO  em termos de mão de obra foi enviado para a Archetype, os contratados tiveram que ser mandados embora. Desanimados, os irmãos Kirmse saíram em 1997. Os demais funcionários partiram aos poucos e, em 2000, não havia mais ninguém na equipe que tivesse trabalhado no desenvolvimento do jogo. Embora o MMORPG tivesse a impressionante  marca (para os padrões da época) de 10 mil assinantes, a 3DO cancelou o título em 31 de Agosto de 2000. Três anos depois, a própria 3DO abriria falência, sem pagar os funcionários.

Meridian 59 poderia ter se juntado a tantos outros universos extintos se não fosse a dedicação dos fãs e de dois programadores.

Psychochild Enquanto os fãs americanos migravam em massa para servidores alemães que continuavam operando sob um contrato antigo da 3DO, Rob “Q” Ellis II e Brian “Psychochild” Green,  ex-desenvolvedores da Archetype Interactive, fundaram a Near Death Studios, no ano de 2002. A dupla fez o inesperado: comprou de volta os direitos de uso da franquia. Eles não queriam apenas religar os servidores oficiais, mas atualizar a engine do jogo, que já dava sinais de cansaço após tantos anos. Retrabalhando os gráficos para algo compatível com o Direct3D, a Near Death Studios fez Meridian 59 pular de um visual típico de 1994 para algo menos inadequado em  2004, quando foi relançado.

Mas o momento de Meridian 59 já havia passado e o hiato de 4 anos em sua existência foi cruel com a base de usuários. Para piorar as perspectivas, o cenário dos MMORPGs seria permanentemente abalado naquele ano de 2004, com a chegada de World of Warcraft.  A Blizzard deixou claro que nada mais seria como antes. Mesmo assim, essa Nova Era de Meridian 59 conseguiu arrematar 2 mil assinantes em 2005, o suficiente para que a Near Death Studios contratasse mais cinco profissionais para cuidar do jogo.

Meridian 59 - Direct 3D 02 Meridian 59 - Direct 3D

Durante um tempo, a empresa implementou mudanças e novidades em Meridian 59 e uma continuação chegou a ser planejada. Mas não saiu do papel. Em 2010, a Near Death Studios anunciou o impensável: iria fechar as portas. Em uma reviravolta que parece tirada de uma história de ficção, Meridian 59 retornou para o controle dos irmãos Kirmse. Mais: ficou decidido que o primeiro MMORPG seria gratuito para todos os usuários, sem taxas escondidas, sem microtransações, nada. Todas as despesas seriam pagas com doações espontâneas ou com o dinheiro do bolso dos Kirmse. Para uma pequena e fiel comunidade de usuários, estão sendo mantidos dois servidores permanentemente ligados nos Estados Unidos.

No exato momento em que escrevo esta postagem, o site oficial do Meridian 59 está inacessível, ainda que o serviço Down For Everyone or Just Me informe o contrário. O último cache do Google data de 26 de fevereiro. Um fim melancólico para a epopeia? Não ainda.  Não para Meridian 59. Entrei em contato com Greg Shaver, responsável pelo fórum oficial  e ele me garantiu que o jogo está funcionando normalmente ("Still alive and kicking").

Gigante Envelhecido?

WoW World of Warcraft, o líder do gênero, assinala, pela primeira vez em sua carreira de quase 8 anos, uma evasão significativa. A perda de 100 mil assinantes entre Novembro de 2011 e Fevereiro de 2012 pode parecer pequena diante de um universo de mais de 10 milhões de usuários, mas também significa que o crescimento do gigante foi interrompido. Pior: um milhão de novas assinaturas foram obtidas através do novo passe anual, que traz como atrativo o futuro Diablo III de graça no pacote. O buraco atual de World of Warcraft pode ser mais profundo a longo prazo. Longe se foi o tempo do recorde de 12 milhões de assinantes em 2010.

Com o número de participantes ainda na casa dos 8 dígitos, é inegável que o MMORPG da Blizzard ainda tem muito fôlego pela frente, com pelo menos uma expansão planejada para prolongar a jogatina. Será eterno? Sobreviverá por 16 anos como Meridian 59? Teremos dois servidores rodando o jogo em 2020? Se depender da paixão de boa parte de seus assinantes, todas as respostas são “sim”. Mas o tempo costuma ser um implacável inimigo…  Que o digam Star Wars Galaxies, Shadowbane, Tabula Rasa, Dungeon Runners, Earth & Beyond e outros tantos sepultados em máquinas formatadas para sempre.

Ouvindo: Chrono Cross - Field of Time~home World

12 comentários:

Jimmy666 disse...

Tem o Tibia... eu joguei Tibia em 2001 quando existiam apenas 6 mundos... bons tempos!

Jimmy666 disse...

WOW confirma as más expectativas e o declínio, a Blizzard acaba de demitir mais de 600 funcionários:
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/02/blizzard-demite-600-funcionarios-nos-estados-unidos.html

C. Aquino disse...

Muito significativa essa notícia, Jimmy! Não apenas ela é preocupante em si como também muda completamente a visão sobre o cancelamento da Blizzcon deste ano. Será mesmo que o cancelamento da tradicional feira é para caprichar na criação dos jogos? Ou é falta do que mostrar? Ou corte de custos? E a própria nota da Blizzard é contraditória. Em um ponto falam que "os cortes não afetam o desenvolvimento dos títulos", mas em outro momento informa que a empresa está "recrutando e procurando contratar desenvolvedores qualificados em uma série de vagas aberas". Tem muita gente nos andares mais altos da EA com um sorriso no rosto agora...

LocoRoco disse...

A Blizzard já tem outro mmorpg em desenvolvimento o "Titan". Wow não vai ser mais a sua prioridade, tanto é que sua expectativa é que Titan ultrapasse Wow. A notícia e o cancelamento do Blizzcon faz bastante sentido, até porque ela não quer que seu jogo antigo seja concorrente do seu lançamento.

Jimmy666 disse...

Como WOW não é prioridade se ele já está consolidado enquanto o tal de Titan anunciado a tempos ainda é um tiro na agua?
A questão é que WOW já declina em numero de assinantes faz tempo, tanto que nem me espanta essas demissões.
Agora, a Blizzard assim como a VALVE só lança produtos de qualidade, o problema é que demora muito também pra lançar alguma coisa!
A Blizzard nadava em dinheiro com o WOW, tanto que se lixava pra lançar jogos novos...talvez agora se obriguem!

LocoRoco disse...

Wow é um jogo consolidado, mas será que vai durar para sempre? Como você disse, está perdendo assinantes faz tempo, e o seu jogo consolidado vai ficando um pouco mais líquido, talvez esteja saturado. E a expressão "tiro na água" acredito que não seja a apropriada, a Blizzard está investindo bastante no Titan transferindo a um bom tempo funcionários criativos do Wow para esse projeto, investindo bastante dinheiro, eles tem o know-how do maior mmorpg do mundo, e como você disse, ela sabe fazer bons jogos. Não é um tiro na água, eles tem o potencial de fazer um mmorpg que "substitua" o Wow, mas isso não quer dizer que Wow irá acabar.

Shadow Geisel disse...

diablo 3...

Daniel Trezub disse...

Eu ando pensando muito nisso, de que os jogos de hoje já nascem com uma data de morte pré-definida, com validade muito curta. Parabéns pelo excelente texto, que, aliás, foi citado no GameBlogs ;)

Marcos A. S. Almeida disse...

Existe um jogo lançado em 2003 , chamado Enemy Territory ou E.T.em que se acha servidores até hoje.De vez em quando eu entro e disputo algumas partidas.Ele era pra ser uma expansão para o Return to Castle Wolfenstein mas acho que houve algum problema com o single player e eles liberaram ele gratuitamente como multiplayer.Pra vocês verem como ele é antigo...Ainda se chamava "expansão".Hoje conhecemos como mald... quer dizer, bendito "DLC".
Quanto á Blizzard e seu WOW eu vejo isso com naturalidade.A oferta de MMORPG gratuito só faz crescer e é mais que óbvio que uma hora ele iria começar á cair.Alguém dirá que a qualidade dos gratuitos não é a mesma de uma "superprodução".Pode ser , mas eu encaro jogos como uma fonte de diversão e entretenimento e se ele proporciona isso , dane-se gráfico realista , física realista , história altamente elaborada ou qualquer outro argumento que alguns usam para engrandecer um título em detrimento de outro.

Jimmy666 disse...

Mas expanção e DLC pra mim são diferentes!
Uma expansão pode ser um DLC mas um DLC nem sempre é expansão!
Tem muito jogo onde o DLC é uma arma, uma skin, um carro, etc...
Já uma expansão são novas fases, novos cenários, novos inimigos, etc... ás vezes com duração similar ao do jogo principal.

Marcos A. S. Almeida disse...

Ok, WikiJimmy a sua explicação é corretíssima , você está certo;Mas o que eu quis dizer é que antes faziam expansões , e que valia á pena pagar por elas; Hoje praticamente não existe expansão e foram substituídas por DLCs.O porquê todos sabem.São coisas com as quais eu não me conformo.É claro que toda regra têm sua exceção , mas infelizmente hoje a exceção é uma expansão ou DLC justo e a regra é justamente o contrário ,e pior, com preço não condizente.
Recentemente baixei um jogo chamado Spiral Knights pelo Steam e FREE. OK , é um jogo até que legal com características de RPG mas eu só posso ir descendo os niveis se tiver , se não me engano, moedas.Iniciamos com uma quantidade limitada dessas moedas e quando elas acabam - geralmente com 1 hora de jogo - só podemos continuar jogando se comprar-mos com dinheiro "de verdade" mais moedas.Ou esperar o dia seguinte.Quer dizer, quem criou o jogo disse - "sim , é grátis, mas você só pode jogar até onde deixamos.Ou então pague pra jogar mais um pouquinho nosso jogo gratuito"".É claro que não gostei.E pra piorar ontem eu vi que existe um DLC pra ele á US$ 3,99. DLC pago pra um jogo capado que se diz gratuito?alguns dirão "-Tadinhos, eles têm que se manter de alguma forma!" e eu digo , sim é verdade , por isso é que eles criam essas "arapucas" pra nos pegarem.E ainda vêm o criador de Infinity Blade dizer que estamos na "era de ouro dos games".Sim, é verdade também, jogos a preço de ouro.Desculpem-me o excesso , mas acho que nem o preço alto da gasolina me deixa tão indignado.Ou talvez porque não tomei meu tarja preta ainda.

Nulagem disse...

"sepultados em máquinas formatadas para sempre" foi uma expressão que me entristeceu.

Retina Desgastada

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