Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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14 de março de 2011

Jogando: Amnesia – The Dark Descent

Terror, medo, horror, pavor. Este esmagador sentimento que corta a respiração, dilata as pupilas e tensiona os músculos pode variar de pessoa para pessoa. Tomemos Dead Space, por exemplo. Alguns leitores do Retina Desgastada relataram dificuldades em jogá-lo devido ao clima assustador. Fábio Sooner, do Re:Games, por outro lado, classificou o jogo como um título de ação. Para mim, é um excelente exercício do terror, dentro dos limites do que eu considero suportável. Mas agora peço desculpas por ter julgado mal aqueles que se amedrontaram demais diante do desafio de Isaac Clarke, por que eu encontrei o meu próprio limiar de tolerância, o ponto onde tenho uma trava para seguir em frente. E concordo, em parte, com a opinião de Sooner: Dead Space é um passeio no parque, repleto de adrenalina, diante do perturbador Amnesia – The Dark Descent.

É impossível jogar Amnesia por mais de uma hora, sem sentir um mal-estar. É muito difícil jogá-lo de noite, com as luzes apagadas. É sufocante. Claustrofóbico. Imersivo. Desconfortável. De alguma forma, a Frictional Games tem o dom de raptar o jogador e arremessá-lo sem perdão em um ambiente pouco iluminado, interativo e com algo inumano rastejando nas proximidades. O que eles oferecem é mais uma experimento desagradável, um simulador de pesadelo, do que um jogo eletrônico.

Amnesia - The Dark Descent 01

Como em muitos outros jogos, livros e filmes, o protagonista começa a trama sofrendo de amnésia. Se este clichê já foi usado à exaustão, aqui ele atinge seu ponto mais extremo. Nos primeiros minutos da história, o personagem principal está caído no chão, se levanta com fortes tonturas e se flagra em um ambiente desconhecido. O jogador, a princípio, não sabe onde Amnesia se situa, em que época se passa, a aparência do seu avatar ou mesmo quais são as regras do jogo. Não há NPCs para se conversar, não há respostas imediatas e cada informação é fornecida a conta-gotas através de tumultuados flashbacks ou notas espalhadas aqui e ali, como, por exemplo, o nome do protagonista, Daniel. A sensação de impotência e de incompreensão é muito forte. A história se descortina devagar e o que é vislumbrado além do véu da ignorância é horrendo demais para ser encarado de frente. Muitos detalhes são inferidos pelo próprio jogador e este talvez seja o grande trunfo de Amnesia: o maior de todos os medos nasce no próprio cérebro e aquilo que é imaginado é sempre pior do que aquilo que pode ser criado por qualquer desenvolvedor. Para minha satisfação, o terror no título da Frictional segue o estilo dos mestres Lovecraft e Allan Poe, com um forte clima vitoriano.

Entretanto, lamento dizer que Amnesia falha visivelmente enquanto Jogo, com J maiúsculo. Antes de tudo, os gráficos, e principalmente a dinâmica das sombras, está aquém do que pode ser produzido nos dias de hoje. Se não me falha a memória, o uso das sombras aqui é inferior ao do próprio Penumbra, jogo anterior da Frictional. Para um título com tanta ênfase na necessidade da luz para se manter são, é triste ver que as sombras não acompanham a movimentação de uma fonte de luz, por exemplo.

Amnesia - Porcos sem Sombra

O problema da iluminação é pequeno quando comparado com algo pior: Daniel. Protagonistas que são máquinas de matar destoam em jogos de horror, não importa se fizeram sucesso em Resident Evil ou Dead Space. Por outro lado, Daniel é o extremo oposto. Para minha infelicidade, o único personagem que eu controlo sente constantes ataques de tontura, tem a vista embaçada e começa a enlouquecer ao primeiro vento batendo uma porta. Em muitas partes do jogo, eu fico dividido entre o susto que levo e a raiva de Daniel que cisma em desmaiar no meio da sala. É preciso entender que eu, como qualquer ser humano, fico com a razão embotada diante de situações apavorantes. Quando meu próprio desespero é somado com uma tela escura ou artificialmente tremida porque meu personagem está com medo, o resultado não é mais medo. É frustração, raiva e quebra de imersão.

Com um "herói" arisco como uma gazela, a mecânica de Amnesia funciona como um tiro pela culatra. Se o ambiente estiver escuro, a sanidade de Daniel cai. Se o ambiente estiver iluminado, ela se estabiliza. Parece simples? Mas se um inimigo aparece, a melhor estratégia é apagar as luzes e se esconder no escuro! No escuro, e com um monstro por perto, Daniel começa a surtar. Se ele acender a luz, o monstro pega ele. Se ele não acender, ele desmaia. E o monstro pega ele. Se ele ficar olhando para o monstro, para ver se ele já foi embora e é seguro acender uma luz, ele surta ainda mais rápido. E desmaia. E o monstro pega ele. Se ele sair correndo, vai chamar a atenção do monstro e... o monstro pega ele.

Este pesadelo em forma de jogo ganhou os prêmios (merecidos) de "Excellence in Audio" e "Technical Excellence" no Independent Games Festival 2011. É um título para poucos, para aqueles capazes de sobreviver à terrível tortura mental de sua atmosfera arrepiante e de driblar os dilemas impostos por sua mecânica. Tenho certeza de que o próprio Daniel não conseguiria e tenho dúvidas se eu terei a coragem e a paciência necessárias. Por enquanto, tento passar do famigerado nível inundado e suas ameaças...

Amnesia - The Dark Descent 02

Ouvindo: The Beatles - Only A Northern Song

3 comentários:

Marcel C. Da Silva disse...

É Aquino, Amnesia é um jogo forte, sabia que eu nem tinha notado o problema com sombras?A sensação de impotência é muito forte no jogo, e inclusive é o que os produtores queriam quando assim fizeram, estar no escuro e surtar ou acender a lamparina e ser pego?Difícil decisão...Mas, se vc estiver com pouco tempo, e a assombração estiver por perto, tenta pegar uma pedra e jogar num canto oposto e veja o resultado =)
Amnesia te permite improvisar em momentos complicados.

Rodolpho disse...

Acabei de jogar Amnesia há 3 dias. A única coisa que me frustrou é o ambiente final. O chamado Inner Sanctum é pequeno e o final do jogo é rápido.

Está na fase da água ainda ? Então você ainda não começou a usar a cuca de verdade no jogo. Tem alguns toques de quebra-cabeça bem frustrantes esperando você.

C. Aquino disse...

Olá, Rodolpho! Eu já fechei Amnesia também. Você pode conferir minha análise final em http://blog.retinadesgastada.com.br/2011/03/jogando-amnesia-dark-descent-conclusao.html. E você está certo, a conclusão é muito fraca perto do resto.

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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