Retina Desgastada
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29 de março de 2011

Jogando: Amnesia – The Dark Descent (Conclusão)

Se alguém chamar Amnesia de jogo na sua frente, ria como um desvairado, deixe um filete de baba pender de sua boca e comece a arrancar seus cabelos fio a fio. Amnesia não é um jogo. Como eu expliquei melhor na primeira parte desta análise, ele fracassa miseravelmente ao nos apresentar uma engine gráfica com graves problemas para renderizar sombras (em um título onde luz e trevas exercem função primordial!), ao nos apresentar um protagonista estupidamente frágil, uma mecânica que funciona como um obstáculo artificial e uma tendência a eliminar totalmente os desafios quando você não consegue avançar e, consequentemente, premiando o jogador que falha, a própria antítese do conceito de jogo. Esqueça. Amnesia não é um jogo. Volto a repetir: é um simulador de pesadelo.

Donzela de Ferro

Quando meu filho nasceu, três anos atrás, eu estava desempregado. Minha esposa (guerreira do mundo real), segurou as pontas e conseguiu mais trabalhos do que seria tolerável. Assumi de imediato a tarefa de acordar de madrugada, trocar fraldas, preparar mamadeiras e colocar a criança para dormir novamente. Com o passar do tempo, meu filho associou a figura paterna como "aquele que traz o sono de volta" e permaneço nesta função até hoje. O que isto tem a ver com Amnesia? Isto significa que eu conheço o o falso silêncio da noite, com seus rangidos, seus sons inexplicáveis, seus aposentos escuros e o conceito de mente embotada lutando contra seus instintos ancestrais. E digo que não tenho medo da minha própria casa durante a madrugada. O fato de eu ser um sujeito racional ao extremo contribui para este quadro. Em três anos, apenas duas obras conseguiram colocar no meu coração uma certa... dúvida sobre o que existe na escuridão, nem que fosse por um par de noites. Uma destas obras foi o filme "Atividade Paranormal". A outra obra foi Amnesia. Depois disso, passei a jogar predominantemente durante o dia.

Amnesia é uma experiência interativa, um contrato sinistro entre a Frictional Games e o jogador. Este contrato, porém, é fácil de romper: como eu sugeri, uma luz acesa, o uso de caixas de som ou uma TV ligada, ajudam a destruir a imersão. As engrenagens expostas da jogabilidade, às vezes forçadas goela abaixo, também chegam perto de estragar a jornada. Mas, se por algumas horas você aceitar o pacto e vestir a pele do desafortunado protagonista Daniel, colocar um fone de ouvido, embarcar nesta viagem, você também descobrirá o que é sentir medo do escuro.

Para o deleite daqueles que apreciam uma boa narrativa, Amnesia não decepciona. Sua história é contada através de fragmentos de diários, notas e flashbacks repletos de pequenas lacunas onde a imaginação pode correr solta. Você percebe a mão forte do desenvolvedor controlando os bastidores quando se dá conta que consegue encontrar todas as páginas de um diário na ordem certa, não importando como explore o castelo. A qualidade do enredo e o magnífico trabalho dos dubladores suplantam esta artificialidade. Aos poucos, você monta um quebra-cabeça. Um quebra-cabeça de vingança macabra, com um grande Covarde sob seu comando. Daniel começa a trama como um patético medroso e vai se transformando aos olhos do jogador em uma mistura de vítima e culpado. Como disse Nietzsche, "aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você".

A Culpa é cruel...

Lamentavelmente, o final de Amnesia não é proporcional ao horror visto anteriormente. Seus últimos quinze minutos não flertam com a escuridão, não trazem medo ou abalam a sanidade. Existem três finais diferentes, mas não espere ver aqui a mesma dúvida ética vista na conclusão de Deus Ex. O que temos é uma burocrática e morna confrontação com o último inimigo que se completa com um enigmático epílogo, que pode variar de acordo com a forma como você derrotou seu algoz. Um personagem trágico como Daniel clamava por um final mais apoteótico.

Não entre no experimento da Frictional Games esperando entretenimento: ele é insuportável em muitos momentos. Seu personagem não é um herói, ele não tem uma arma, ele não salva ninguém (ou quase ninguém). Não há pontos de vida, não há achievements ou mesmo uma cutscene de alívio após a descida ao Inferno. É um título para poucos, mas indispensável. A lição de Amnesia – The Dark Descent para todos nós é que existem cantos inexplorados na forma de se criar jogos, que os limites da imersão ainda não foram atingidos e que o gênero do survival horror possui uma estarrecedora capacidade de retornar, quando todos o supunham morto.

Pontos positivos de Amnesia – The Dark Descent: capacidade de induzir medo, excelente trabalho de áudio, narrativa gótica. Pontos negativos de Amnesia – The Dark Descent: falta polimento na jogabilidade, fácil demais (se você conseguir controlar o medo). Nota final: 8.0.

Ouvindo: Silent Hill 4 - Room of Angel

Um comentário:

Rebeca disse...

Ah, agora entendi porque você decidiu não jogar outro jogo de horror, até o ano que vem, depois de Amnesia. E realmente, ele é mais uma experiência do que um jogo. =)

Sou como você, bem racional, então raramente um jogo de horror (meu gênero favorito) abala meus nervos. Jogo de madrugada, no escuro, sem problemas. Mas Amnesia é uma exceção e olha que eu nem o joguei, apenas "assisti" (sério). Pena que o final é brochante mesmo.

Minha outra exceção é Silent Hill: The Room, que pra mim é o mais perturbado da série. Eu amo esse jogo, mas não consigo jogá-lo por horas a fio. Tenho que dar umas boas pausas pra descansar a mente. rsrs

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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