Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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22 de janeiro de 2011

Antes de Diablo – Mundos de Ultima

Ultima III Antes de Diablo ser lançado em 1997, foram produzidos nove títulos de uma série de RPGs para computador chamada de Ultima. Em sua trajetória, desde 1980 até seu amargo fim, os mundos de Ultima somavam dez jogos na série principal (com o episódio VII dividido em duas partes), mais quatro derivados, um bem-sucedido MMORPG, três jogos associados que não fazem parte do cânone, três mangás publicados no Japão, cinco livros e uma legião de adoradores.

Mas, o que é Ultima? A série principal, dividida em três Eras, conta a saga do mundo de Sosaria e, logo em seguida, seu último fragmento, o mundo de Britannia, governados pelo sábio Lord British e protegidos pelo Avatar. Ultima foi um dos primeiros RPGs a misturar fantasia e ficção-científica, a utilizar meta-linguagem na construção de seus personagens, a permitir ao jogador o controle de uma equipe de NPCs, a misturar viagens no tempo como elementos cruciais no enredo e, possivelmente, um dos fundadores do conceito de mundo aberto, onde o jogador poderia ir na direção que desejasse, realizar as missões na ordem que preferisse e fazer escolhas éticas (ou não).

Richard Garriott É impossível dissociar a série Ultima da figura de Lord British. O personagem era o alter-ego do visionário criador Richard Garriott, talvez o primeiro (único?) desenvolvedor a se inserir no próprio mundo que inventou. Garriott adquiriu o apelido de British ("britânico") em 1977, durante um workshop de computação no Texas, onde seu sotaque britânico entregava suas origens inglesas.  Durante as mesas de Dungeons and Dragons, onde era mestre do jogo, ganhou o "título" de Lord. No jogo Aklabeth, criado por Garriott antes do primeiro Ultima, ele explica que Lord British era um humano da Terra, levado ao mundo de Sosaria através de um portal. Após derrotar um feiticeiro maligno e libertar o povo, seria declarado Rei para toda a eternidade. Lord British continuou sendo um personagem daquele universo, funcionando como mentor do personagem controlado pelo jogador. Em 1997, Garriott criaria Ultima Online e cunharia o termo MMORPG. No universo online, Garriott em pessoa ocasionalmente controlava o NPC Lord British. Quando o desenvolvedor vendeu os direitos de Ultima para a EA Games, continuou de posse de vários personagens, incluindo Lord British. Em seu próximo projeto, o mal-fadado MMORPG Tabula Rasa, Garriott criaria e controlaria o personagem General British...

Do outro lado da balança em Ultima estava o Avatar. Nos três primeiros episódios da saga, o personagem principal recebia o nome de The Stranger. Assim como o próprio Lord British, o protagonista era um habitante da Terra, convocado para aquele mágico mundo em momentos de grande perigo. Esta inusitada abordagem colocava o jogador no papel direto de herói, reforçando o laço com os pixels controlados na tela. A partir de Ultima IV: Quest of the Avatar, a série introduz aquilo que viria a ser seu ponto de maior destaque: o sistema de Virtudes. Ao contrário de outros RPGs (incluindo a própria série Ultima até então), a história deixava de lado as representações maniqueístas de Bem e Mal e adotava uma complexa estrutura de decisões éticas inspirada no Hinduísmo e nas filosofias pessoais de Garriott. A partir deste quarto capítulo, o jogador não é mais convocado para combater um vilão, mas para se tornar o pilar moral de todo um mundo e conquistar o título de Avatar. Ao longo do resto da série, o protagonista seria constantemente testado em questões que envolvem preconceitos, xenofobia, decisões complicadas, compaixão, honestidade e muitos outros pontos.

A Terceira Era de Ultima, iniciada com o sétimo jogo, seria profética. Chamada de Era do Armagedon, ela traria o Avatar confrontando seu exato oposto, um ser que não seguia Virtude alguma e visava a destruição de todo o universo: o Guardião. Enquanto o Avatar enfrentava seu mais formidável adversário e o mundo de Britannia entrava em decadência, a série enfrentava uma série de problemas envolvendo prazos apertados, bugs e queda nas vendas. O último capítulo, Ultima IX sairia cinco anos após o capítulo VIII, o maior intervalo entre um jogo e outro de toda a franquia, e continha inconsistências na história. Ultima X: Odyssey, já sem a presença de Garriott, foi anunciado com pompa, circunstância e trailers, muitos trailers. Mas seria engavetado logo em seguida, sepultando a série para sempre.

Atualmente a EA Games detém os direitos da marca, mas muitos personagens e conceitos permanecem em poder de Richard Garriott, dificultando o renascimento de Britannia. Isto não impediu, entretanto, a criação em 2010 do jogo para navegador Lord of Ultima, um MMORPG de estratégia grátis com pouca ou quase nenhuma ligação com a saga.

Meu contato com as maravilhas de Ultima começaram com uma adaptação para DOS do primeiro jogo. Apesar dos gráficos simplórios, a sensação de liberdade era única e inédita para mim. Explorei quase toda a Sosaria. Encontrei Lord British! Viajei em uma nave ao espaço. Mas, por algum motivo do qual não me lembro, jamais completei a aventura. Anos depois, experimentei o imersivo Ultima Underworld, um mundo aberto subterrâneo com inúmeras formas de abordar os problemas e explorar as vastas catacumbas abaixo de Britannia. Ultima Underworld me prendeu por muitas horas com seu extenso mapa, suas estranhas raças não necessariamente hostis e o potencial de se ajustar ao estilo do jogador. Não por acaso, o jogo seria o balão de ensaios para um produtor iniciante que levaria esta liberdade de ação para todos os seus jogos a partir dali. Seu nome? Warren Spector, responsável por Deus Ex, System Shock 2 e, mais recentemente, Epic Mickey.

Ultima Underworld

Garriott também pode ser considerado culpado por ter criado o DRM, muitos anos antes da sigla existir. A partir de Ultima VI, os jogos da série vinham com uma proteção contra cópia, que consistia em uma série de perguntas realizadas durante o jogo cujas respostas só estariam disponíveis no manual impresso ou no mapa que acompanhava a caixa do jogo. Sem as respostas corretas, era impossível continuar ou a jogabilidade era alterada ao ponto de destruir a experiência. A partir do capítulo VIII, o sistema de perguntas e respostas foi abandonado. Mas a indústria passou a procurar outras formas de coibir a pirataria, progressivamente mais agressivas.

Ultima foi precursor em muitos aspectos. Seu fantástico e complexo universo foi forte influência para muitos RPGs que se seguiram, assim como seu modelo de controle de múltiplos NPCs no mesmo grupo que o protagonista. Sua escolha por uma visão menos maniqueísta das decisões acessíveis ao jogador tem reflexos até os dias de hoje, ainda que o Sistema de Virtudes de Garriott nunca tenha sido superado. Antes de Diablo.

(avalanche de postagens: 8/14)

Ouvindo: Jared Hudson - Final Fantasy 10 the Final Summoning Oc Remix

4 comentários:

EmoViolence disse...

Correndo atrás na leitura..

Ótima recapitulação de Ultima. Eu conheci o jogo no capitulo VIII e me encantei pela possibilidades do Ultima Online, meu primeiro contato com um MMORPG. Até comprei o jogo original importado, mas na hora de entrar no mundo virtual tive uma grande decepção com as horas infinitas de atualização via conexão discada e o pagamento de mensalidade, acabei deixando tudo de lado.

Sabhat, o Maldito disse...

Ótimo post..

Carlos Wilson disse...

Aquino, em meados de 2010 li um artigo (mais tecnico, sobre o motor gráfico do Ultima Underworld) que afirmada ser um engano dar todos os creditos do UU a Warren Spector associando como "o jogo de Warren". Não encontrei o texto original mais encontrei um que afirma essa mesma idéia...

http://www.computerandvideogames.com/28003/features/games-that-changed-the-world-ultima-underworld/?page=1

C. Aquino disse...

Carlos, demorei mas li o link que você mandou! Excelente material para um artigo! Valeu pela dica!

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