Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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21 de março de 2010

Pequena Grande Guerra

"Eu vi guerra. Eu vi guerra na terra e no mar. Eu vi sangue correndo dos feridos. Eu vi os mortos na lama. Eu vi cidades destruídas. Eu vi crianças passando fome. Eu vi a agonia de mães e esposas. Eu odeio guerra."

Franklin D. Roosevelt, presidente dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial

Eu ordeno pelo rádio que uma das unidades avance em direção à casa em ruínas do outro lado da rua. Lá fora, o matraquear contínuo das metralhadoras alemãs e a ocasional queda de uma peça de morteiro disparada não se sabe de onde. O comandante da unidade, Sargento Powell diz que é impossível avançar e a unidade irá permanecer onde está: os soldados Dickens e Williams estão mortos, o soldado Higgins está muito ferido, o cabo Carmichael está em estado de choque e o cabo Gutierrez é o único com alguma visibilidade da posição inimiga. Com sua carabina de longo alcance, Gutierrez dispara tiros ocasionais na direção de uma janela no pequeno prédio de três andares no fim da rua.

Powell solicita reforços que eu não posso oferecer. Um panzer alemão dobra lentamente a esquina e se aproxima. As forças nazistas se recusam a aceitar meu pedido de cessar-fogo. A rendição total provocaria a perda de 17 homens, um luxo do qual eu não disponho a esta altura da operação e uma decisão dolorosa para qualquer comandante. Eu sei o nome de todos esses 17 homens sob meu comando. Eu sei o nome dos que morreram. Dos atingidos por granadas, dos rasgados por metralhadoras de grosso calibre, dos incinerados pelo fogo cruel e covarde dos lança-chamas, dos surpreendidos por um franco-atirador invisível. O tanque avança.

Gutierrez é atingido e cai. Powell entra em pânico e a cadeia de comando desmorona.

Para minha surpresa, o cabo Carmichael desperta de seu estupor e joga uma granada precisa no tanque alemão. O blindado explode e seus tripulantes fogem. Gritando de fúria, Carmichael abandona sua cobertura e persegue os nazistas esvaziando o pente de sua Thompson.

As forças inimigas aceitam meu cessar-fogo e eu volto para a tela de menu, para selecionar novas unidades. Isto é Close Combat V.

Close Combat - Logo

Alistamento

Cheguei atrasado para a batalha, tendo conhecido a série somente a partir do seu segundo episódio, A Bridge too Far, cujo demo veio encartado na BigMax 15. Naquela única batalha, revivida dezenas de vezes, com diversas conclusões diferentes, eu sofri, ri, chorei, xinguei, perdi e venci legiões infinitas de tropas nazistas, comandando um punhado de pequenos homens de pixels através de casas, bosques e campos abertos. Com um curto tutorial de poucos minutos, aquele demo produziu uma identificação instantânea e culminou em uma das minhas primeiras aquisições para a emergente coleção de jogos eletrônicos.

Close Combat - Series

Desde criança, eu sempre fui fascinado por histórias da Segunda Guerra Mundial, uma estranha paixão herdada de meu pai e alimentada por filmes clássicos com Ernest Borgnine, John Wayne, Lee Van Cleef e outros heróis do cinema. Close Combat II veio para preencher um nicho em minha fascinação, da mesma forma que outros se aprofundam em elaborados jogos de miniaturas, coleções de uniformes ou batalhas de airsoft.

Close Combat II: A Bridge Too Far se baseia na Operação Market Garden, a maior operação aerotransportada da História e um dos grandes fracassos das forças Aliadas. O episódio todo culminou no cerco a um pequeno contingente de tropas inglesas, encurralada na ponte de Arnhem, a tal ponte "longe demais". Os eventos da aterradora resistência aliada foram retratados em um livro de Cornelius Ryan, homônimo do jogo e que seria adaptado em um filme de grande sucesso em 1977. O livro de Ryan foi publicado no Brasil, com o título traduzido para "Uma Ponte Longe Demais".

Com grande empolgação, comprei uma revista que trazia o demo de Close Combat III, ambientado no front russo. Com grande decepção, percebi que havia algo diferente na fórmula. Se o jogo anterior ainda estava longe da perfeição, este novo exemplar traria um problema que demoraria muito para ser consertado: desequilíbrio. A superioridade esmagadora dos blindados no campo de batalha transformou um jogo que deveria ser sobre pessoas em um jogo de gato e rato entre veículos, decidido em 90% dos combates logo nos primeiros minutos, quando a IA do computador avista seus tanques e os aniquila simultaneamente. Nunca testei a versão completa do jogo, mas as análises disponíveis confirma a primeira impressão do demo.

Eu só conheceria Close Combat IV muito tempo depois, até mesmo depois da versão V. Uma pequena loja virtual na Inglaterra vendia o jogo por cinco dólares, sem cobrar frete para lugar algum do mundo. Por motivos óbvios, eles faliram logo em seguida. Mas não antes de entregar este desastre técnico em minha casa. Apesar de ter introduzido uma nova camada estratégica no jogo, permitindo o gerenciamento de unidades por toda a Operação, o desequilíbrio ainda mantinha pé firme no título. Concluí este exemplar com muito suor e pouca satisfação, essencialmente um simulador de combate entre tanques.

Para minha sorte, Close Combat V veio na minha agenda antes de seu antecessor. É o círculo completo e o ápice da série. O círculo se fecha por que o jogo é uma releitura da Invasão da Normandia, retratada no primeiro jogo da série, de 1996. A mais importante e mais famosa operação da Segunda Guerra Mundial é retratada com todas as novas funcionalidades estratégicas acrescentadas no quarto jogo, somadas ao aspecto emocional do segundo, menos a ênfase exagerada nos blindados que vinha assolando o título.

Desejo de Viver

Quando um camponês de Age of Empires é morto por um leão enquanto procurava por ouro, você não se importa. Ele não tem nome, não tem um histórico. Quando um marine espacial é trucidado por Zergs, tanto faz, como tanto fez. Quando um soldado da GDI abate um inimigo a tiros, você não sabe quantos ele já matou, de que batalhas ele participou. Em títulos como Ground Control, tropas se materializam do nada e duram menos de um minuto no campo de batalha.

Em Close Combat, não. Seus comandados querem viver.

CC2

Cada jogo da série foi concebido como um exercício de inteligência artificial. Cada soldado em jogo, inimigo ou sob seu comando, tem seu próprio motor, suas próprias idéias. Eles se cansam, eles se enfurecem, eles tem medo. Para tal, foi consultado um especialista em trauma de combate, o dr. Steven Silver. Fatores ambientais como intensidade do fogo inimigo, posicionamento da unidade, distância do comandante, amigos feridos, cansaço, quantidade de munição, inimigos abatidos, a presença de um lança-chamas próximo, esses elementos afetam cada soldado individualmente e são responsáveis por determinar se eles vão obedecer às ordens do jogador adequadamente, tomar iniciativas ou simplesmente sair correndo do campo de batalha. Ordens suicidas raramente são cumpridas, mas não se espante se um soldado resolver pular na frente do inimigo em um frenesi homicida.

Mais do que um barra de moral na tela, cada soldado também carrega um nome e uma lista de realizações ao longo do jogo. Ainda que, em diferentes batalhas, determinados combatentes podem não estar disponíveis, você irá saber, por exemplo, que o Sargento Rogers foi responsável por destruir dois blindados e incapacitar cinco nazistas, além de ter recebido uma Medalha de Honra e uma medalha por ferimento em um tiroteio anterior. Tropas experientes tem a moral mais elevada e unidades que sofreram poucas baixas desde o início da operação lutam melhor que recrutas recém-chegados.

CCVCCV2

Ao contrário de tantos outros jogos, realismo (muitas vezes cruel) é o elemento-chave de Close Combat V. A munição, por exemplo, não é infinita. Tropas com moral alta e sem feridos, pode ser capturada pelo inimigo simplesmente por estar sem munição. Tanques só podem ser destruídos de ângulos específicos, com a arma certa. Se você ordenar a uma unidade para destruir um blindado que ela não tem condições de atacar, suas ordens serão questionadas. Campo de visão é determinante para saber se um pelotão tem chance de atingir um inimigo ou não. Fumaça de combate pode encobrir o avanço de unidades. Soldados surpreendidos por inimigos no interior de prédios apelam para baionetas, facas e pistolas e o resultado nunca é bonito de se ouvir.

Detalhes pequenos, que tornam Close Combat V um grande jogo.

Baixa Honrosa

Close Combat V foi o ápice. Também foi o último episódio de Close Combat como conhecemos, com a marca trocando de produtora e propósito nos anos posteriores, sobrevivendo de remakes, conflitos modernos e uma estranha versão em primeira pessoa ambientada no Líbano(!). Esses novos caminhos tem uma distribuição precária e não chegam por aqui. Dos desenvolvedores iniciais, nem sombra, apenas uma marca cansada de tanta guerra que se arrasta em prateleiras na Europa, com a mesma engine de 10 anos atrás.

O mais sangrento conflito da Humanidade não deve ser esquecido. Há quem diga que já existem jogos demais sobre a Segunda Guerra Mundial. Eu diria que existem jogos de menos... Que venham outros, que os horrores não sejam enterrados, que a História não se repita, que cada nazista, fascista, ditador, totalitarista seja derrotado mil vezes nas telas e nas mentes de cada jogador, para que não seja necessário voltar às trincheiras do mundo real, para que a guerra passe a existir apenas em mundos de mentira ou recriações do passado.

E que os grandes generais lembrem sempre da lição de Close Combat. Cada soldado tem um nome.

Ouvindo: The Verlaines - Heavy 33

8 comentários:

Anônimo disse...

parabens pelo site e por esse post, confesso que todos os dias entro no seu site para ver se postou alguma coisa nova, se um dia voce parar de escrever no seu site pense que existe alguem querendo ver novos jogos. esse jogo ainda não joguei vou baixar os 5 de uma vez só encontrei para torrent, pelas características parece muito bom, por falar nisso, voce tem algum link que me leve para um jogo que voce citou que era pra ser o precursor dos jogos de mortos vivos?? parece que o jogo era ZOMBIES

C. Aquino disse...

O quase-precursor dos jogos de mortos-vivos é o francês Zombies, que nunca foi lançado. Você pode achar mais informações em http://www.retinadesgastada.com.br/2010/01/congelados-no-tempo.html.

Daniel Trezub disse...

Caramba, Aquino. Não conhecia esse Close Combat, fiquei empolgado com seu post! Sabe onde posso encontrar as demos ou o jogo para comprar?

Marcos A. S. Almeida disse...

Eheheheheheheeh! E eu achando que só eu entrava aqui diáriamente em busca de novidades!É claro que nem todos os posts contém assunto do meu interêsse , mas mesmo assim leio todos (como é o caso deste sobre Close Combat). Se não me engano é um jogo de estratégia por turnos, e esse tipo de estratégia eu não gosto.Mas os textos são sempre bem escritos.

C. Aquino disse...

Daniel, o demo do Close Combat V pode ser baixado em http://download.cnet.com/Close-Combat-Invasion-Normandy-demo/3000-7483_4-10049981.html. Agora, pra comprar, é meio complicado. Considerando que o título saiu em 2000, é difícil de encontrar no exterior e ainda menos por aqui. Os "remakes" estão disponíveis por valores salgados em http://www.matrixgames.com/products/.

Marcos, Close Combat não é por turnos. Muito pelo contrário! É tensão em estado puro por que acontece em tempo real!

Anônimo disse...

amigo, se quiser o close combat vá no piratebay e procure por ele tem os 5 e o melhor: completos!!

Hawk disse...

Nem no GoG tem para comprar?

C. Aquino disse...

Nem no gog você acha...

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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